Falei no primeiro capítulo que fui parar na escola tal como um paraquedista
que cai em una floresta fechada e estranha. Para que facilite sua capacidade de
imaginar as sensações que tive em meus primeiros dias na Escola e, quem sabe,
reativar suas próprias memórias acerca da sua entrada na vida escolar, apelarei ao
uso de uma breve metáfora baseada em filmes de ação norte americanos, como:
Nascido Para Matar, Apocalypse Now, O Resgate do Soldado Ryan,6 etc.
Era como estivéssemos em um enorme avião bombardeiro. Estávamos
devidamente fardados e municiados com nossas lancheiras, alguns mantimentos,
canetas hidrográficas, tesoura sem ponta e uma caixinha de giz de cera. Cada
família passava para seu soldado ordens estranhas e contraditórias, como: “faça
tudo que sua professora ordenar”; “não converse com estranhos”; “não bata em seus
coleguinhas”; etc.
De repente uma senhora gorda surge pela porta e com sua voz brada:
“chegou a hora do salto”. Alguns companheiros já haviam lutado e sobrevivido a
outras batalhas como a creche e a casa da vovó, mas naquele instante o pavor
tomou conta de todos. Alguns choravam desesperadamente e outros, assim como
eu, engoliam um choro seco tentando se preparar para o que poderia nos aguardar
além da porta daquele avião.
Um a um éramos jogados para fora do bombardeiro. Em pouco tempo, já
estávamos com o os pés no chão. O local era uma floresta estranha e hostil, porém
também parecia ser interessante e desafiadora. Lá encontramos os professores,
seres estranhos e inteligentes, que nos acolherem e nos agruparam em pequenos
grupos, Cada dia na Floresta representava uma série de novas descobertas e
diversão. Mesmo longe da família tínhamos ânimo e uma vontade inesgotável de
seguir lutando, combatendo e quebrando a cada dia um novo limite de nosso
conhecimento.
Nossos afazeres diários eram tão intrigantes que, no geral, demoramos anos
para perceber que estávamos em meio a um pesado fogo cruzado. Eram bombas
pra todo lado, granadas, tiros, aviões militares e nós exatamente no meio disso tudo
sem perceber absolutamente nada. Literalmente falando, éramos crianças
indefesas. Nossa pequena floresta chamada Escola estava cercada pelos mais
diversos tipos de facções. Dentre elas poderíamos citar: Partidos políticos, Grupos
terroristas, igrejas, crime organizado, etc.; e as duas mais gerais e poderosas de
todas: a Família, representando os valores privados institucionalizados; e o Estado,
representando valores públicos institucionalizados.
É difícil determinar qual destas grandes forças tem vantagem nesta guerra.
Para Lipman (LIPMAN, 1995, p. 19) ambas se equivalem, isto porque a Escola não é
uma entidade passiva neste duelo, além de estar em posição de mediadora, ela
representa a fusão de valores públicos e privados. Assim sendo, temos três tipos
básicos de instituições públicas e privadas:
1° De valores privados institucionalizados (Família);
2° De valores públicos institucionalizados (Estado);
3° A fusão de ambos os valores (Escola).
De certa maneira, a Escola representa o modelo com mais força e
importância neste combate. Isto porque, em algum momento de sua vida, todos irão
passar por algum tipo de escola, é a partir dela que as gerações do passado e do
presente tentam moldar as gerações futuras e deixar sua marca na história.
Dificilmente alguém admite esta verdade, mas o fato é que cada família, cada
governo, cada facção no geral, deseja ter o controle da Escola e como consequência
imprimir seus valores e convicções nos respectivos estudantes. É horrível pensar
uma escola onde as crianças e os adolescentes sejam obrigados a aceitar
determinada posição como verdadeira, sem a possibilidade de ao menos conhecer
outras perspectivas. Mais horrível ainda é o fato que neste exato momento deve
existir várias escolas no mundo vivendo esta situação.
Quando um pai matricula um filho em uma escola, o mínimo que espera é que
haja segurança e um ensino que possa prepara sua criança para viver de maneira
racional e independente dentro de determinada cultura e época. Dificilmente um pai
gostaria de saber que a escola a qual “entrega” seu filho todos os dias atende
somente interesses particulares de alguma facção específica. Para ter seu lugar
respeitado em uma sociedade democrática a Escola necessita ser vista como “a
representante de todas as facções”. (LIPMAN, 1995, p. 20) O filósofo segue sua
argumentação dizendo que esta posição de “a representante de todas as facções”
gera pelo menos dois problemas que, julgo que a enfraquecem em quanto
instituição.
O primeiro: Com medo de ser taxada de defensora de determinados ideais e
opressora de outros, a Escola acaba por se manter demasiadamente conservadora.
Desta maneira ela consegue manter sua função de representante de todos, porém
tem sua autonomia7 limitada. Fato que neste momento julgo que acabe por deixá-la
engessada frente a seus problemas, basicamente incapaz de mudanças estruturais
que a tronem mais interessante e dinâmica frente às novas necessidades de
nossos jovens, adolescentes e crianças;
O segundo: Escolas, professores, secretarias de educação, editores de livros
didáticos, etc. Todos estes ficam em um grande “jogo de empurra”, onde nenhuma
das partes resolve assumir a responsabilidade de arriscar mudanças que possam
revolucionar8 o processo de ensino-aprendizagem.
Lembro-me perfeitamente que em meados da década de 1990 a prefeitura
municipal de Porto Alegre decidiu implantar o modelo ciclado de ensino em todas as
escolas de sua respectiva rede. Tal decisão possuía ampla fundamentação política
e pedagógica, mas gerou muita desconfiança entre pais e professores. Ninguém
sabia o iria acontecer, mas se esperava verdadeiras revoluções tanto na maneira
dos professores darem aula, tanto no conteúdo que os alunos receberiam.
Exatamente por esta possibilidade de mudança se criou um grande temor, o
que é estranho, afinal todos concordavam e estavam cientes que a educação
tradicional seriada necessitava de mudanças urgentes.
Nesta época eu tinha entre dez e onze anos de idade, estudava em uma
escola municipal e não senti nenhum tipo de revolução. O que senti foi a simples
troca das antigas séries pelos ciclos, da repetência pelas turmas de progressão, das
notas pelos conceitos, etc. Para Lipman, devido a tudo que citei acima, a Escola
enquanto instituição evolui tal como um barco com o leme emperrado, andando em
círculos, vindo de nenhuma parte e indo pra lugar nenhum.
Curioso, Comecei este subcapítulo como um emocionante filme de ação e
acabei terminando com politicagens e burocracias que mais lembram um monótono
horário eleitoral gratuito.
Este texto faz parte do trabalho chamado “Crítica a Escola”escrito por mim Fabio Goulart. Para fazer o Download do trabalho Completo CLIQUE AQUI. Todos os dias será postado um novo texto deste trabalho aqui no site! Boa Leitura!
6 "Nascido para Matar", originalmente conhecido como: Full Metal Jacket é um filme norte americano
de 1987, dirigido por Stanley Kubrick; "Apocalypse Now" é um filme norte americano de 1979, dirigido
por Francis Ford Coppola; "O Resgate do Soldado Ryan", originalmente conhecido como: Saving
Private Ryan, é um filme norte americano de 1998 da Paramount Pictures, dirigido por Steven
Spielberg.
7 Sempre que for utilizado este termo ou termos derivados neste trabalho, não podemos associá-lo ao
uso cotidiano de “aquele que independe da colaboração dos outros” ou “o macho cognitivo
autossuficiente ”. Em Lipman autonomia tem o sentido de “pensar por si mesmo e fazer os próprios
julgamentos a partir das provas coletadas”. Julgo que esta visão é muito mais adequada a este
termo, principalmente quando o assunto é filosofia da educação.
8 Revolucionar aqui não significa causar revoluções violentas ou espetaculares. Significa tornar a
Escola realmente autônoma e o processo ensino-aprendizagem realmente dinâmico a ponto de
conseguir fazer com que os alunos pensem com a própria cabeça.
"jogo de empurra", há mais uma falta de preparo, instruções e desenvolvimento de ideias, que propriamente "falta de responsabilidade", porém pode entender-se que ambos caminham junto.
ResponderExcluira meu ver, há tanto um desinteresse de evolução educacional, quanto um despreparo para o mesmo. enquanto se há docentes que pretendem melhorias, se há por outro lado o desinteresse das instituições, ou o contrário...
Concordo em gênero numero e grau, leitor "Anônimo"
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