Durante o segundo semestre do ano de 2010 e paralelamente ao
desenvolvimento deste trabalho, tive a oportunidade de assumir a regência de três turmas do primeiro ano do Ensino Médio43 da Escola Estadual de Ensino Médio Santa Rosa localizada periferia de Porto Alegre.Além de adquirir experiência docente, aproveitei este período para aplicar a
teoria das Comunidades de Investigação em sala de aula e para observar
atenciosamente as relações existentes dentro da Escola. Ao final do trimestre fiz algumas entrevistas com alunos e mestres e pude observar diversas incoerências existentes:
1° Professores julgam que os alunos não possuem interesse em debater os conteúdos e por isso acham que muitas vezes é mais interessante ensinar “macetes” para que possam ter mais facilidade na resolução dos problemas propostos pelas respectivas disciplinas. Do outro lado, os alunos se mostram extremamente dispostos a debater e desenvolver racionalmente as questões. O que ocorre é que os alunos entram no Ensino Médio com severas preconcepções errôneas oriundas do Ensino Fundamental.
Muitos professores estão cientes disso e tentam abordagens que reestimulem os alunos. Porém esta abordagem geralmente é incisiva demais, tentando explorar questões que invadem a privacidade individual de cada aluno, este tipo de abordagem é extremamente equivocada principalmente em escolas de periferia, onde boa parte dos alunos convive diariamente com questões que ninguém gosta de revelar em público, tal como: violência doméstica, trabalho infantil forçado, criminalidade, exploração sexual, consumo e tráfico de drogas.
O resultado desta invasão é a revolta da turma e a criação de uma relação de ódio com aquela matéria e até com o professor em alguns casos extremos.
Outros professores acreditam que os alunos são capazes de aprender aquilo que será ensinado, com base nisso elaboram aulas fantásticas, trazem textos originais de autores consagrados, pois julgam que estas são as melhores fontes para desenvolver o conhecimento. As aulas destes professores chegam a ser superiores as aulas de alguns doutores da Universidade, o problema é que os alunos do primeiro ano do Ensino Médio ainda estão muito longe do nível dos alunos universitários.44 O resultado desta abordagem é a total indiferença da turma, pois os conteúdos são complexos demais, fato que os tornam desprovidos de significado para alunos daquele nível.
Em minhas aulas, primeiramente me apoderei de diversos textos clássicos e a partir deles criei novos textos traduzidos para uma linguagem acessível para os alunos. Criei um blog45 na internet com tudo que era abordado em sala de aula. Elaborei e distribui um cronograma mostrando os conteúdos e avaliações que seriam aplicados e deixei com que a Comunidade de Investigação mostrasse os rumos da argumentação. Surgiram temas recorrentes nos trabalhos dos alunos tal como gravidez da adolescência, drogas, eleições e copa do mundo. Se valendo de conceitos e procedimentos filosóficos, orientei os alunos a argumentarem e dialogarem sobre estes assuntos. O resultado pedagógico desta abordagem foi que consegui ensinar um conteúdo rico de significado para os alunos sem que para isso fosse necessário invadir suas privacidades individuais. Também foi possível que as turmas chegassem naturalmente, a partir de suas próprias ideias, a compreensão do trabalho da filosofia e de suas divisões, objetivo este que estava previsto para o trimestre em questão na escola trabalhada.
O resultado humano foi ainda mais gratificante, Iniciei o trimestre com turmas de onze ou doze alunos e no final já estava contando com turmas de mais vinte e cinco alunos. Estes “novos alunos” não foram incluídos no caderno de chamada pela secretaria da educação, eram alunos já matriculados, mas que preferiam ficar fora da sala de aula, namorando, praticando esportes, tocando violão, fumando ou usando drogas.
Com a transformação da aula de filosofia em uma Comunidade de Investigação filosófica, o interesse destes alunos pela disciplina foi reacendido, a maioria conseguiu notas acima da média e provaram para todos aqueles que duvidam que eles eram seres capazes de desenvolver o pensamento de ordem superior, que estavam errados.46
2° No geral os professores costumam afirmar que os alunos não sabem
trabalhar em grupo, afirmam que só alguns trabalham e que por isso a aula não rende. Resolvi arriscar, logo após no primeiro trabalho pedi que se organizassem em grupos. Não demorou, eles vieram até mim e perguntaram: “professor, grupos de quantos”, apenas respondi: “Formem grupos.” No início tentaram formar grupos demasiadamente grandes, provando assim que realmente não sabiam trabalhar em grupos. Houve muita bagunça e conversa não relacionada com o assunto, mas em pouco tempo conseguiram se organizar em grupos menores, o diálogo fluiu naturalmente. O resultado foi extremamente positivo, em pouco tempo todos estavam fazendo relações entre o prisioneiro da caverna de Platão e homem normal de nossa sociedade que aprende a filosofia e começa a filosofar. Também realizei um trabalho ainda mais ousado, levei um violão para dentro da sala de aula e pedi para cada um dos grupos criarem uma musica de tema livre e conteúdo crítico. O objetivo daquele trabalho era desenvolver a capacidade de expressão dos alunos.
Porém eles foram ainda mais longe, fizeram críticas fantásticas sobre a realidade cruel que enfrentam todos os dias e demonstraram os desejos mais ocultos de transformar positivamente suas realidades, feitos que jamais atingiriam em aulas acríticas e individuais.47
3° No geral os professores de ciências humanas, como a filosofia, não gostam de aplicar provas. De fato existem vários argumentos pedagógicos que apontam para ferramentas avaliativas mais modernas e funcionais que as provas.
3° No geral os professores de ciências humanas, como a filosofia, não gostam de aplicar provas. De fato existem vários argumentos pedagógicos que apontam para ferramentas avaliativas mais modernas e funcionais que as provas.
Porém os alunos gostam de realizar provas, gostam de ser avaliados através de provas e gostam de sentir o frio na barriga na hora de receber as notas. Julgo que qualquer pedagogia que não leva em consideração aquilo que os alunos gostam de fazer e o que gostam de sentir, não será bem sucedida na busca de meios e métodos para tornar a vivência escolar em algo mais divertido e estimulante. Fiz prova de filosofia para meus alunos, a grande maioria foi muito bem. O fato é que a prova não prova somente os alunos, ela prova também o professor.
4° Existe uma espécie de crença infundada que tenta dizer que os desinteressados alunos do Ensino Médio não querem desenvolver suas ideias, querem apenas garantir uma boa nota no final do ano. Seguindo esta crença sem nexo, muitos professores distribuem notas espíritas para todos da turma. Chamo de espíritas estas notas porque não possui origem em nenhuma ferramenta avaliativa utilizada durante o trimestre. O fato é que quando você é aluno e estudou arduamente um trimestre inteiro, não há nada mais desestimulante e humilhante que ver um colega, que nem se quer frequentava as aulas, tirar uma nota final quase tão boa quanto a sua. Para levarmos a sério os alunos como seres racionais e pensantes, temos que avaliá-los de maneira clara e racional. Caso contrário, estaremos tratando-os como idiotas.
Este texto faz parte do trabalho chamado “Crítica a Escola” escrito por mim, Fabio Goulart. Para fazer o Download do trabalho Completo CLIQUE AQUI. Todos os dias será postado um novo texto deste trabalho aqui no site! Boa Leitura!
43 Como parte do estágio obrigatório de licenciatura em filosofia.
44 Pelo menos em sua maior parte.
45< http://asfaltovirtual.blogspot.com > Acessado em 04 de Dezembro de 2010.
46 Em entrevista com alguns alunos, eles me disseram que costumavam a odiar a disciplina de filosofia, pois a consideravam uma tremenda “encheção de linguiça”, mas que depois das minhas aulas perceberam o quanto pode ser uma disciplina interessante e útil para compreender melhor as outras disciplinas e para compreender nossas próprias atitudes.
47 Perguntei para um dos meus alunos se ele preferia trabalhos em grupos ou trabalhos individuais. Ele me respondeu que prefere trabalhar em grupo, pois cada um apresenta seu ponto de vista e a conclusão do grupo é um novo ponto de vista que ninguém do grupo tinha, ou seja, se pode desenvolver muito mais o conteúdo. Perguntei para outra aluna por que ela achava que a maioria dos professores não fazia trabalhos de grupos, ela me respondeu que no geral a turma não sabe trabalhar em grupo, mas não sabem, porque não estão habituados a trabalhar em grupo. E me questionou: “Como vamos aprender a trabalhar em grupo se ninguém nos der trabalhos em grupos?”
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