UM
ESTUDO INTRODUTÓRIO SOBRE O DIREITO DOS POVOS EM RAWLS
Fabio Goulart[1]
RESUMO
Este
trabalho é um estudo introdutório sobre O
Direito dos Povos de John Rawls, mais precisamente as duas primeiras partes
deste livro. Abordando os temas: Sociedade dos Povos, relações internacionais,
utopia realista, justiça, tolerância e respeito aos direitos humanos entre os
povos.
PALAVRAS-CHAVES:
O Direito dos Povos. Justiça. Direitos Humanos.
ABSTRACT
This paper is an introductory study on John Rawls The Law of Peoples, more precisely on
the first two parts of this book. The themes: Society of Peoples, international
relations, realistic utopia, justice, tolerance and respect for human rights
among the peoples.
KEYWORDS: The Law of Peoples. Justice. Human Rights.
INTRODUÇÃO
John
Rawls na obra “O Direito dos Povos” traça alguns princípios gerais que
teoricamente poderiam ser aceitos por povos e Estados liberais, ou não, na
tentativa de regulamentar as relações internacionais.
O
filósofo chama de “Sociedade dos Povos” a relação entre povos e estados que
respeitam e participam como conduta o Direito dos Povos.
Analiso
neste trabalho a possibilidade de extensão do “contrato social” às relações
entre estados livres, democráticos e decentes, ou nas palavras do filósofo,
para a Sociedade dos Povos.[2]
UMA UTOPIA REALISTA
O direito dos povos parte do
princípio de justiça enquanto equidade. Pensando nisso será que é possível pensarmos
em um “contrato social” internacional que respeite este e outros princípios que
possa realmente ser aplicado?
É justamente isso que Rawls busca em
O Direito dos Povos através de uma utopia
realista. Ou seja, de uma teoria que se concentra em sua coerência interna e
aplicabilidade, deixando de lado os reais problemas da política externa
contemporânea.
Como aplicar uma teoria da justiça
levando em consideração as grandes diferenças entre os povos? Mais do que isso:
como respeitar estas diferenças a partir de uma de uma teoria para a política
internacional?
Rawls diria que mesmo países
liberais podem divergir em suas concepções, desde que as mesma permaneçam
razoáveis.
Quais são as condições paralelas
para uma sociedade dos povos razoavelmente justa?
Para responder tal questão, o
filósofo apresenta algumas condições:
1°
O autor entende os povos tal como são e o direito dos povos diz como deveriam
ser para que possam ser povos razoavelmente justos em suas relações;
2°
Também é uma teoria utópica, por que usa princípios para especificar os
arranjos políticos e sociais para sociedade razoável e justa, mas que não
exista na prática;
3°
A política deve conter em si os elementos essenciais de sua concepção política
de justiça, essa não pode vir de alguma doutrina abrangente, por exemplo: de
uma religião;
4°
As instituições devem levar os cidadãos a desenvolverem um senso adequado de
justiça que os permita a crescente participação em sua sociedade;
5°
Assim como a unidade religiosa, filosófica e política não é possível na unidade
social interna, também não é possível na Sociedade dos Povos a qual a qual é
provida pelo Direito dos Povos por um conteúdo da razão pública;
6°
Exige que a concepção política para políticas externas tenha necessariamente
uma ideia de tolerância e razoabilidade. (Rawls, 2004, p.22)
Rawls está convencido a crer que é
possível que um dia o direito dos povos possa ser aplicado como uma política
mundial aplicada, porém antes disso acontecer seria necessário que os povos e
seus governos aprendam a cooperar social, político e economicamente. Por isso
tal utopia realista não seria uma fantasia política como muitos críticos julgam
ser, mas sim um ideal político que todos devem buscar. (Rawls,2004, p.25-38)
Julgo que direito dos povos deve ser
entendido com uma teoria de ruptura frente à clássica concepção de soberania do
Estado e de relações internacionais que são baseadas na luta por interesses
entre nações. Movidos por seus interesses os Estados entrem em confronto e
acabem trazendo injustiça e sofrimento para seus cidadãos, é importante
salientar que o Direito dos Povos tenta apresentar um caminho para superação
destes e outros problemas.
Para atingir o Direito dos Povos, antes de qualquer coisa, cada povo
deve ser justo, não basta apenas ser um Estado, é necessário encontrar os meios
para que seus cidadãos se respeitem como iguais, para só depois passarem ter o
mesmo respeito e reconhecimento para ou outros povos iguais. (Rawls, 2004.
p.45) Depois disso seria necessário que os povos decidam a partir de “uma
posição original hipotética” os princípios de justiça a serem aplicados em suas
relações. Tais princípios devem, entre outras coisas, serem razoáveis, não
podem defender nenhum interesse privado em detrimento de outro, pois devem se
basear nos interesses fundamentais dos cidadãos.
Em sua utopia realista o filósofo
traça os seguintes princípios de igualdade:
1.
A
liberdade e independência de um povo devem ser respeitadas por outros povos e
vice-e-versa;
2.
Povos
devem observar tratados e compromissos;
3.
Os
povos são iguais e são partes em acordos que os obrigam;
4.
Os povos
sujeitam-se ao dever de não-intervenção;
5.
Os
povos têm o direito de autodefesa, mas nenhum direito de instigar a guerra por
outras razões que não a autodefesa;
6.
Os
povos devem honrar os direitos humanos;
7.
Os
povos devem observar certas restrições especificadas na conduta de guerra;
8.
Os
povos têm o dever de assistir a outros povos vivendo sob condições
desfavoráveis que os impeçam de ter um regime político e social justo ou
descente. (Rawls, 2004, p.47-48)
O
próprio autor reconhece a incompletude destes princípios. Da necessidade
poderiam os povos firmar novos princípios bem como poderiam alterar, substituir
e eliminar os daí descritos, porém povos bem ordenados livres e autônomos devem
reconhecer certos princípios básicos de sua justiça, política e conduta.
Por
fim, Rawls julga que seria necessária a existência pelo menos três organizações
internacionais para termos o Direito dos Povos. Uma garantiria o justo comércio internacional; a segunda seria um
sistema bancário cooperativo de âmbito mundial e terceira seria a Confederação
dos Povos[3].
Para o devido funcionamento tais instituições deveriam permanecer sob o véu da
ignorância, ou seja, abertas para uso de todos os povos sem estar defendendo o
interesse particular de nenhum, olhado para todos como iguais. (Rawls, 2004,
p.55)
Uma
vez aplicado o Direito dos Povos levaria os povos a uma confiança mútua. Para o
filósofo somente com o Direito dos Povos seriam possível pensar a paz em si
entre os povos. Caso contrário, temos no máximo um equilíbrio de forças
momentaneamente estável firmado por alguns acordos internacionais, porém para a
verdadeira paz seria necessário a compreensão de um senso de justiça que levaria
cada cidadão não somente a conhecer, mas também a aplicar os princípios de
justiça.
Em
suma as relações internacionais baseadas nos interesses de cada estado devem
ser revistas. Para isso as instituições sociais precisam ser revistas se
queremos um mundo melhor e mais justo para todos. Para o autor o fracasso da
democracia, que pode ser entendido pela desigualdade aguda, injustiça e pela
guerra, se dá devido ao fracasso das instituições. (Rawls, 2004, p.60) Enquanto
dentro do Direito dos Povos, os estados não entram em guerra, a guerra ocorre
quando um estado age fora da lei.
A TOLERÂNCIA AOS POVOS NÃO-LIBERAIS
Nem
todos os povos podem ser considerados liberais ou fora da lei, existem também
os estados que estão no meio destetes extremos. Rawls chamas tais povos de povos decentes.
Povos
decentes são aqueles que possuem as características necessárias para serem
aceitos como membros de uma Sociedade dos Povos[4], mas não praticam
internamente a democracia liberal.
O termo tolerância é usado pelo filosofo não
somente para dizer até que ponto povos liberais devem tolerar povos não
liberais, mas também:
(...)significa reconhecer estas sociedades não-liberais como membros participantes iguais na Sociedade dos Povos , com certos direitos e obrigações, inclusive o dever de civilidade, exigindo que ofereçam a outro povos razões para seus atos adequadas à Sociedade dos Povos. (Rawls, 2001, p.77)
Povos
descentes não podem ser subjugados pelas sociedades liberais. Da mesma forma
que doutrinas morais abrangentes aplicadas por membros de determinada religião
ou filosofia devem ser respeitadas dentro de um povo, os povos descentes devem
ser respeitados na Sociedade dos povos. Tal como na política interna o respeito
destas doutrinas depende de sua compatibilidade das mesmas com a prática da
justiça razoavelmente aceitável, na Sociedade dos Povos os povos decente devem
manter sua conduta alinhada com os princípios razoavelmente aceitos e
praticados pelos povos liberais.
Não
há Direito dos Povos nem pode existir a real Sociedade dos Povos se não houver
esta tolerância. Não pode haver falta de respeito entre povos liberais e não-liberais
decentes. Julgo que para o autor esta tolerância acabará servindo como o
caminho a ser traçado para em um futuro hipotético todos os povos possam ser
liberais e a justiça seja estabelecida entre os povos.
Para
Rawls um povo liberal não pode tentar obrigar um povo decente a redigir uma
constituição liberal se este povo descente já respeita os direitos humanos e os
outros princípios de justiça supracitados neste trabalho. Da mesma forma que um
povo não pode proibir a prática religiosa de seus membros se essas estiverem de
acordo com os princípios de justiça, a Sociedade dos Povos não pode, por
exemplo: fazer com que um Estado religioso, porém um povo decente se torne uma
democracia liberal para ser aceito.
Além
de respeitar os princípios de justiça, para um povo não-liberal ser aceito na
Sociedade dos Povos seria necessário que o mesmo possibilite a participação de
seus membros a partir de uma hierarquia de consulta decente. Para o tanto é
necessário que este povo busque atingir seus fins através de meios pacíficos e
que respeite seus membros a partir de leis e de um sistema de justiça razoável,
racional e igualitário para todos seus cidadãos. (Rawls, 2001, p.84-85)
Por
mais que os cidadãos de um povo não-liberal possam não viver de forma livre e
igual, seu governo através das instituições devem garantir que todos tenham
desenvolvimento moral ao ponto de estarem dispostos a levarem suas vidas em
prol do bem comum. Por isso juízes e funcionários públicos destes povos não
podem deixar de ouvir e assistir indivíduos ou grupos que não façam parte do
grupo abrangente que os governa.
OS DIREITOS HUMANOS ACIMA DE
TUDO
Julgo
que o respeito aos direitos humanos sem dúvida é uma das mais evidentes
características da Sociedade dos Povos. Para Rawls, a partir deste respeito
muitas guerras podem ser evitadas e posturas internas autoritárias podem ser
coibidas. Para os povos que realmente defende os direitos humanos a guerra
passaria a ser uma pratica política totalmente inaceitável, excerto em caso de
autodefesa quando estes mesmos direitos ficam ameaçados por povos fora da lei. (Rawls,
2001, p.103-104)
Os
direitos humanos servem de princípios fundamentais para todas as instituições
democráticas liberais, bem como limita o Direito Nacional admissível para um
estado membro da Sociedade dos Povos. Dentro desta lógica o filósofo justifica
a intervenção política a povos fora dai quando estes não respeitam os direitos
humanos. Para Rawls a Sociedade dos Povos não pode tolerar o desrespeito aos
direitos humanos.
CONCLUSÃO
O
Direito dos povos enquanto utopia realista não deve ser entendido como uma
fantasia política, mas sim como uma ruptura frente à clássica concepção de
soberania do Estado e de relações internacionais que são baseadas na luta por
interesses entre nações.
Para
isso o Estado deve dispor meios para que todos seus cidadãos desenvolvam o
senso de justiça e uma concepção de bem que seja racional, para que só assim
possa se dizer que todas as pessoas são tratadas como seres livres e iguais.
Com isso se abre a possibilidade para a fundamentação dos direitos humanos que
servirão como base para a Sociedade dos Povos.
Por
fim os povos liberais democráticos devem tolerar e os povos razoáveis e
decentes como membros da Sociedade dos povos. Neste sentido a Sociedade dos
Povos não pode tolerar o desrespeito aos direitos humanos e a guerra só seria
justificada como autodefesa quando um povo age fora da lei atacando outro povo,
ou quando há um grande desrespeito aos direitos humanos de seus cidadãos.
REFERÊNCIAS
RAWLS,
John. O Direito dos Povos. São Paulo:
Martins fontes: 2001.
_____________________________
São Paulo: Martins fontes: 2004.
_______. O
liberalismo Político. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo e revisão de
Álvaro de Vita. 2. ed.São Paulo: Editora Ática, 2000.
_______. Uma
teoria da justiça. Tradução de Jussara Simões, revisão da tradução e apresentação de Álvaro de Vita. 3. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2008.
Entregue
em 02 de Junho de 2012.
[1] Mestrando em Filosofia na área de
Ética e Filosofia política pelo PPGFil da PUCRS sob a orientação de Dr.Agemir
Bavaresco; bolsista do CNPq; Bacharel e Licenciado em Filosofia pela PUCRS e
professor de Filosofia da Secretaria Estadual de Educação do Estado do Rio
Grande do Sul. fabiogt@zipmail.com.br
- http://www.filosofiahoje.com/
[2] Além da análise dos textos de John
Rawls, este trabalho também leva em conta as aulas dos professores Dr. Thadeu Weber e Dr. Agemir Bavaresco do PPGFil da PUCRS e da apresentação diversos
colegas nestas respectivas aulas.
[3]
Semelhante a atual Nações Unidas.
[4]
Assim Rawls chama a sociedade formada por povos liberais e decentes.
após escrever tudo me venho a pergunta: Direitos humanos tem a ver com Estados ou com Pessoas??? me ajudem com essa resposta.
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