segunda-feira, 2 de julho de 2012

UM ESTUDO INTRODUTÓRIO SOBRE O DIREITO DOS POVOS EM RAWLS


UM ESTUDO INTRODUTÓRIO SOBRE O DIREITO DOS POVOS EM RAWLS
Fabio Goulart[1]

RESUMO
Este trabalho é um estudo introdutório sobre O Direito dos Povos de John Rawls, mais precisamente as duas primeiras partes deste livro. Abordando os temas: Sociedade dos Povos, relações internacionais, utopia realista, justiça, tolerância e respeito aos direitos humanos entre os povos.
PALAVRAS-CHAVES: O Direito dos Povos. Justiça. Direitos Humanos.


ABSTRACT
This paper is an introductory study on John Rawls The Law of Peoples, more precisely on the first two parts of this book. The themes: Society of Peoples, international relations, realistic utopia, justice, tolerance and respect for human rights among the peoples.
KEYWORDS: The Law of Peoples. Justice. Human Rights.

INTRODUÇÃO
John Rawls na obra “O Direito dos Povos” traça alguns princípios gerais que teoricamente poderiam ser aceitos por povos e Estados liberais, ou não, na tentativa de regulamentar as relações internacionais.
O filósofo chama de “Sociedade dos Povos” a relação entre povos e estados que respeitam e participam como conduta o Direito dos Povos.
Analiso neste trabalho a possibilidade de extensão do “contrato social” às relações entre estados livres, democráticos e decentes, ou nas palavras do filósofo, para a Sociedade dos Povos.[2]


UMA UTOPIA REALISTA
            O direito dos povos parte do princípio de justiça enquanto equidade. Pensando nisso será que é possível pensarmos em um “contrato social” internacional que respeite este e outros princípios que possa realmente ser aplicado?
            É justamente isso que Rawls busca em O Direito dos Povos através de uma utopia realista. Ou seja, de uma teoria que se concentra em sua coerência interna e aplicabilidade, deixando de lado os reais problemas da política externa contemporânea.
            Como aplicar uma teoria da justiça levando em consideração as grandes diferenças entre os povos? Mais do que isso: como respeitar estas diferenças a partir de uma de uma teoria para a política internacional?
            Rawls diria que mesmo países liberais podem divergir em suas concepções, desde que as mesma permaneçam razoáveis.
            Quais são as condições paralelas para uma sociedade dos povos razoavelmente justa?
            Para responder tal questão, o filósofo apresenta algumas condições:
            1° O autor entende os povos tal como são e o direito dos povos diz como deveriam ser para que possam ser povos razoavelmente justos em suas relações;
            2° Também é uma teoria utópica, por que usa princípios para especificar os arranjos políticos e sociais para sociedade razoável e justa, mas que não exista na prática;
            3° A política deve conter em si os elementos essenciais de sua concepção política de justiça, essa não pode vir de alguma doutrina abrangente, por exemplo: de uma religião;
            4° As instituições devem levar os cidadãos a desenvolverem um senso adequado de justiça que os permita a crescente participação em sua sociedade;
            5° Assim como a unidade religiosa, filosófica e política não é possível na unidade social interna, também não é possível na Sociedade dos Povos a qual a qual é provida pelo Direito dos Povos por um conteúdo da razão pública;
            6° Exige que a concepção política para políticas externas tenha necessariamente uma ideia de tolerância e razoabilidade. (Rawls, 2004, p.22)
            Rawls está convencido a crer que é possível que um dia o direito dos povos possa ser aplicado como uma política mundial aplicada, porém antes disso acontecer seria necessário que os povos e seus governos aprendam a cooperar social, político e economicamente. Por isso tal utopia realista não seria uma fantasia política como muitos críticos julgam ser, mas sim um ideal político que todos devem buscar. (Rawls,2004, p.25-38)
            Julgo que direito dos povos deve ser entendido com uma teoria de ruptura frente à clássica concepção de soberania do Estado e de relações internacionais que são baseadas na luta por interesses entre nações. Movidos por seus interesses os Estados entrem em confronto e acabem trazendo injustiça e sofrimento para seus cidadãos, é importante salientar que o Direito dos Povos tenta apresentar um caminho para superação destes e outros problemas.
                  Para atingir o Direito dos Povos, antes de qualquer coisa, cada povo deve ser justo, não basta apenas ser um Estado, é necessário encontrar os meios para que seus cidadãos se respeitem como iguais, para só depois passarem ter o mesmo respeito e reconhecimento para ou outros povos iguais. (Rawls, 2004. p.45) Depois disso seria necessário que os povos decidam a partir de “uma posição original hipotética” os princípios de justiça a serem aplicados em suas relações. Tais princípios devem, entre outras coisas, serem razoáveis, não podem defender nenhum interesse privado em detrimento de outro, pois devem se basear nos interesses fundamentais dos cidadãos.
            Em sua utopia realista o filósofo traça os seguintes princípios de igualdade:
1.    A liberdade e independência de um povo devem ser respeitadas por outros povos e vice-e-versa;
2.    Povos devem observar tratados e compromissos;
3.    Os povos são iguais e são partes em acordos que os obrigam;
4.    Os povos sujeitam-se ao dever de não-intervenção;
5.    Os povos têm o direito de autodefesa, mas nenhum direito de instigar a guerra por outras razões que não a autodefesa;
6.    Os povos devem honrar os direitos humanos;
7.    Os povos devem observar certas restrições especificadas na conduta de guerra;
8.    Os povos têm o dever de assistir a outros povos vivendo sob condições desfavoráveis que os impeçam de ter um regime político e social justo ou descente. (Rawls, 2004, p.47-48)
O próprio autor reconhece a incompletude destes princípios. Da necessidade poderiam os povos firmar novos princípios bem como poderiam alterar, substituir e eliminar os daí descritos, porém povos bem ordenados livres e autônomos devem reconhecer certos princípios básicos de sua justiça, política e conduta.
Por fim, Rawls julga que seria necessária a existência pelo menos três organizações internacionais para termos o Direito dos Povos. Uma garantiria o justo comércio internacional; a segunda seria um sistema bancário cooperativo de âmbito mundial e terceira seria a Confederação dos Povos[3]. Para o devido funcionamento tais instituições deveriam permanecer sob o véu da ignorância, ou seja, abertas para uso de todos os povos sem estar defendendo o interesse particular de nenhum, olhado para todos como iguais. (Rawls, 2004, p.55)
Uma vez aplicado o Direito dos Povos levaria os povos a uma confiança mútua. Para o filósofo somente com o Direito dos Povos seriam possível pensar a paz em si entre os povos. Caso contrário, temos no máximo um equilíbrio de forças momentaneamente estável firmado por alguns acordos internacionais, porém para a verdadeira paz seria necessário a compreensão de um senso de justiça que levaria cada cidadão não somente a conhecer, mas também a aplicar os princípios de justiça.
Em suma as relações internacionais baseadas nos interesses de cada estado devem ser revistas. Para isso as instituições sociais precisam ser revistas se queremos um mundo melhor e mais justo para todos. Para o autor o fracasso da democracia, que pode ser entendido pela desigualdade aguda, injustiça e pela guerra, se dá devido ao fracasso das instituições. (Rawls, 2004, p.60) Enquanto dentro do Direito dos Povos, os estados não entram em guerra, a guerra ocorre quando um estado age fora da lei.


A TOLERÂNCIA AOS POVOS NÃO-LIBERAIS
Nem todos os povos podem ser considerados liberais ou fora da lei, existem também os estados que estão no meio destetes extremos. Rawls chamas tais povos de povos decentes.
Povos decentes são aqueles que possuem as características necessárias para serem aceitos como membros de uma Sociedade dos Povos[4], mas não praticam internamente a democracia liberal.
  O termo tolerância é usado pelo filosofo não somente para dizer até que ponto povos liberais devem tolerar povos não liberais, mas também:


(...)significa reconhecer estas sociedades não-liberais como membros participantes iguais na Sociedade dos Povos , com certos direitos e obrigações, inclusive o dever de civilidade, exigindo que ofereçam a outro povos razões para seus atos adequadas à Sociedade dos Povos. (Rawls, 2001, p.77)

Povos descentes não podem ser subjugados pelas sociedades liberais. Da mesma forma que doutrinas morais abrangentes aplicadas por membros de determinada religião ou filosofia devem ser respeitadas dentro de um povo, os povos descentes devem ser respeitados na Sociedade dos povos. Tal como na política interna o respeito destas doutrinas depende de sua compatibilidade das mesmas com a prática da justiça razoavelmente aceitável, na Sociedade dos Povos os povos decente devem manter sua conduta alinhada com os princípios razoavelmente aceitos e praticados pelos povos liberais.
Não há Direito dos Povos nem pode existir a real Sociedade dos Povos se não houver esta tolerância. Não pode haver falta de respeito entre povos liberais e não-liberais decentes. Julgo que para o autor esta tolerância acabará servindo como o caminho a ser traçado para em um futuro hipotético todos os povos possam ser liberais e a justiça seja estabelecida entre os povos.
Para Rawls um povo liberal não pode tentar obrigar um povo decente a redigir uma constituição liberal se este povo descente já respeita os direitos humanos e os outros princípios de justiça supracitados neste trabalho. Da mesma forma que um povo não pode proibir a prática religiosa de seus membros se essas estiverem de acordo com os princípios de justiça, a Sociedade dos Povos não pode, por exemplo: fazer com que um Estado religioso, porém um povo decente se torne uma democracia liberal para ser aceito.
Além de respeitar os princípios de justiça, para um povo não-liberal ser aceito na Sociedade dos Povos seria necessário que o mesmo possibilite a participação de seus membros a partir de uma hierarquia de consulta decente. Para o tanto é necessário que este povo busque atingir seus fins através de meios pacíficos e que respeite seus membros a partir de leis e de um sistema de justiça razoável, racional e igualitário para todos seus cidadãos. (Rawls, 2001, p.84-85)
Por mais que os cidadãos de um povo não-liberal possam não viver de forma livre e igual, seu governo através das instituições devem garantir que todos tenham desenvolvimento moral ao ponto de estarem dispostos a levarem suas vidas em prol do bem comum. Por isso juízes e funcionários públicos destes povos não podem deixar de ouvir e assistir indivíduos ou grupos que não façam parte do grupo abrangente que os governa.

OS DIREITOS HUMANOS ACIMA DE TUDO
Julgo que o respeito aos direitos humanos sem dúvida é uma das mais evidentes características da Sociedade dos Povos. Para Rawls, a partir deste respeito muitas guerras podem ser evitadas e posturas internas autoritárias podem ser coibidas. Para os povos que realmente defende os direitos humanos a guerra passaria a ser uma pratica política totalmente inaceitável, excerto em caso de autodefesa quando estes mesmos direitos ficam ameaçados por povos fora da lei. (Rawls, 2001, p.103-104)
Os direitos humanos servem de princípios fundamentais para todas as instituições democráticas liberais, bem como limita o Direito Nacional admissível para um estado membro da Sociedade dos Povos. Dentro desta lógica o filósofo justifica a intervenção política a povos fora dai quando estes não respeitam os direitos humanos. Para Rawls a Sociedade dos Povos não pode tolerar o desrespeito aos direitos humanos.


CONCLUSÃO
O Direito dos povos enquanto utopia realista não deve ser entendido como uma fantasia política, mas sim como uma ruptura frente à clássica concepção de soberania do Estado e de relações internacionais que são baseadas na luta por interesses entre nações.
Para isso o Estado deve dispor meios para que todos seus cidadãos desenvolvam o senso de justiça e uma concepção de bem que seja racional, para que só assim possa se dizer que todas as pessoas são tratadas como seres livres e iguais. Com isso se abre a possibilidade para a fundamentação dos direitos humanos que servirão como base para a Sociedade dos Povos.
Por fim os povos liberais democráticos devem tolerar e os povos razoáveis e decentes como membros da Sociedade dos povos. Neste sentido a Sociedade dos Povos não pode tolerar o desrespeito aos direitos humanos e a guerra só seria justificada como autodefesa quando um povo age fora da lei atacando outro povo, ou quando há um grande desrespeito aos direitos humanos de seus cidadãos.
       


  
REFERÊNCIAS

RAWLS, John. O Direito dos Povos. São Paulo: Martins fontes: 2001.

_____________________________ São Paulo: Martins fontes: 2004.

_______.  O liberalismo Político. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo e revisão de Álvaro de Vita. 2. ed.São Paulo: Editora Ática, 2000.

_______.  Uma teoria da justiça. Tradução de Jussara Simões, revisão da tradução e  apresentação de Álvaro de Vita. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.


 Entregue em 02 de Junho de 2012.


[1] Mestrando em Filosofia na área de Ética e Filosofia política pelo PPGFil da PUCRS sob a orientação de Dr.Agemir Bavaresco; bolsista do CNPq; Bacharel e Licenciado em Filosofia pela PUCRS e professor de Filosofia da Secretaria Estadual de Educação do Estado do Rio Grande do Sul.  fabiogt@zipmail.com.br - http://www.filosofiahoje.com/
[2] Além da análise dos textos de John Rawls, este trabalho também leva em conta as aulas dos professores Dr. Thadeu Weber e Dr. Agemir Bavaresco do PPGFil da PUCRS e da apresentação diversos colegas nestas respectivas aulas.
[3] Semelhante a atual Nações Unidas.
[4] Assim Rawls chama a sociedade formada por povos liberais e decentes.
Comentários
1 Comentários

Um comentário:

  1. após escrever tudo me venho a pergunta: Direitos humanos tem a ver com Estados ou com Pessoas??? me ajudem com essa resposta.

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