Conheço muita gente assim e conheço também uns que nem dinheiro tem...
quinta-feira, 31 de janeiro de 2013
quarta-feira, 30 de janeiro de 2013
A INTENÇÃO E PRETENSÃO DO ESCLARECIMENTO
Fabio Goulart[1]
RESUMO
Esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade de
que ele próprio é culpado. Passado mais de duzentos anos do iluminismo europeu
a humanidade em vez de entrar num estado verdadeiramente humano, se afunda
sempre em uma nova espécie de barbárie. Somos adestrados de tal forma que faz
com que mesmo após termos deslumbrado nosso esclarecimento jamais possamos
efetivá-los na prática. Chegamos ao século XXI e os homens nunca foram tão
escravos de seus mitos quanto hoje são. Isso porque concederam o status de
natural às suas próprias invenções. Neste trabalho são analisados três pontos
chaves para entendermos o esclarecimento sua intenção, pretensão, sua não
concretização, seus efeitos sobre a vida humana, etc. sendo eles: 1º A intenção
do esclarecimento tem a ver com liberdade e não com seu contrário; 2º O
esclarecimento é um projeto que vai
muito além do período do iluminismo europeu; 3º O esclarecimento pretensiosamente
subjuga todos projetos anteriores da razão se pretendendo como “o projeto
definitivo da razão humana”. Por isso acabou abrindo a possibilidade ser
falsificado, gerando assim justamente seu oposto aos homens.
Palavras-Chaves: Esclarecimento. Razão,
Falsificação, Intenção, Pretensão.
RESUMÉN
La aclaración es la salida del hombre de su juventud
que él mismo es culpable. Después de más de doscientos años de la ilustración
europea la humanidad en lugar de entrar en un estado verdaderamente humano, se
hunde cada vez en un nuevo tipo de barbarie. Estamos entrenados de tal manera
que hace que incluso después de que nos deslumbró a nuestra iluminación nunca se puede realizar en la práctica. Hemos
llegado al siglo XXI y los hombres nunca hemos sido esclavos de sus mitos como
lo son hoy. Esto se debe a teniendo otorgado el estatus de natural a sus
propias invenciones. En este trabajo se revisaron tres puntos clave para
entender la intención del aclaración, su pretensión, su no realización, sus
efectos sobre la vida humana, etc. Son Ellos: 1º La intención de la iluminación
tiene que ver con la libertad, no con su opuesto, 2º La aclaración es un
proyecto que va mucho más allá del período de la Ilustración europea; 3º
Aclaración tercera pretenciosamente sub-jueces todos los proyectos anteriores
de la razón reclama como "el proyectos definitivo de la razón
humana". Así que con sólo abrir la posibilidad de falsificar, generando
así exactamente lo contrario para los hombres.
Palabras Claves: Aclaración. Razón.
Falsificación, Intención, Pretensión.
INTRODUÇÃO
Vivemos
um tempo onde a democracia triunfou sobre todos demais sistemas políticos e o
liberalismo sobre todos demais sistemas econômicos. Claro que existem outros
sistemas políticos e econômicos ainda vivos no mundo, mas nenhum de fato ameaça
a superestrutura estabelecida ou mesmo tem o poder de seduzir as massas aos
seus encantos.
Paradoxalmente
a todo sofrimento, injustiça e desigualdade aguda no mundo a grande maioria das
pessoas se sentem tão confortáveis que não se encorajam a tomar qualquer
atitude que vá contra a nossa realidade. Mesmo assim, os poucos que se
manifestam tem feito muito barulho, por isso o nosso tempo está virado em um gigantesco caldeirão
de protestos e, para mim, isso se dá devido a dois motivos.
O
primeiro seria a luta pela globalização dos direitos – Nos últimos sessenta
anos[2]
tudo se fez para globalizar o livre comércio e as formas de obtenção de lucro,
mas as principais vantagens e direitos deste “mundo globalizado” me parecem que
ficaram restritos a uma micro parcela da população mundial. Hoje as novas
tecnologia de comunicação, por serem muito mais dinâmicas e interativas,
permitem que trabalhadores do mundo inteiro se comuniquem e acessem informação
e conhecimento. Isso leva à uma maior revelação do estado de trabalho alienado
e das condições precárias de mão de obra o que acaba por fomentar uma série
greves e revoltas de trabalhadores das mais diversas classes nos países menos desenvolvidos ou em desenvolvimento. Por esse mesmo motivo os
países islâmicos no norte da África encodem desde 2011 numa série de
revoluções, protestos e até guerras civis; que são denominadas de Primavera
Árabe. No geral[3]
as pessoas destes povos estão lutando para garantir para si uma série de
direitos que já são teoricamente garantidos aos povos do mundo ocidental
desenvolvido.
O
segundo motivo encontraremos nos protestos dos países já desenvolvidos,
principalmente na Europa. Nestes países uma série de medidas econômicas
precipitadas aliadas a especulação desproporcional das classes financeiramente
mais favorecidas levou seus povos à uma recessão como não se via a muitos anos.
Os governos daqueles países que carregam o pseudo título de superpotências se
veem impotentes diante da realidade e já não têm mais condições de garantir os
benefícios e o conforto que em outros épocas concederam aos seus cidadãos.
O que
há de igual a todos estes movimentos é o fato de definitivamente não se
tratarem de “lutas contra o sistema”, mas justamente de seu oposto. São
lutas pela manutenção ou pelo restabelecimento do status quo. Um status
quo que na prática nunca existiu, mas que nos vem sendo implantado a
milhares de anos através dos mais variados mecanismos de coerção social e por
isso ganhou as proporções de uma antiga profecia oracular. Profecia essa que
fala dum mundo justo, igualitário, seguro e confortável. Ninguém nunca foi
idiota o suficiente para tentar assumir tal profetizado, mas todos
intrinsecamente sabem de sua existência. Isso é tão evidente que ao longo dos
séculos, e ainda hoje, muitos são os que são sempre dispostos a lutar e derramar
o sangue que for necessário para que a profecia se cumpra o mais rapidamente
possível.
Comunismo,
Nazismo, Fascismo, Capitalismo, Liberalismo, Cristianismo, Islamismo, Judaísmo,
Budismo, Hinduísmo, etc., e em especial o Iluminismo. Quase todos os “ismos” do mundo
acabam por sempre ser muito mais e nada mais[4]
do que uma nova forma de interpretar a velha profecia.
Ela é
muito mais velha que qualquer sociedade.
Seu tempo nos remete ao momento em que os mais primitivos homens perceberam que
não era mais preciso apenas viver a natureza, mas que era possível domina-la
e reverte-la para seu bem estar. Foi ai que o mais velho do grupo se
dirigiu aos mais novos e apontou para o horizonte a ser desbravado. Assim nas
nasceu a profecia! Muito antes da linguagem[5],
me atrevo a dizer que foi neste momento que aquilo que chamamos de
“racionalidade” surgiu sobre a face da Terra.
Existe
um certo desgosto com a imutabilidade e a incapacidade de conseguirmos fazer
com que se cumpra a profecia. Geralmente se aponta o governo, o sistema
econômico e a religião como a origem de nossos problemas, mas estes nada mais
são do que subordinados de nosso real inimigo. Alguns acusam
erroneamente a natureza humana e volte e meia surge um grupo atacando a
democracia, fato esse que nos coloca em uma situação constante de flerte
sadomasoquista com o totalitarismo.
Entre
aqueles que mais se aproximam daquele que acredito ser o inimigo real, estão os
que acusam o Sistema por nossos sofrimentos e misérias. Mas “Sistema” é só um
nome que racionalmente damos a um inimigo cujo seu nome não pode ser proclamado
num estado tradicional de sanidade.
Aristóteles
uma vez disse: O ser humano é um animal racional. Tal analogia serviu
para denunciar aquilo que já era evidente: Estamos condenados a uma
contradição enquanto espécie. Desde o primeiro dia após a profecia,
passando pelo advento da linguagem e a fundação das sociedades, nossa parte
racional sempre tentou dominar nossa parte animal. Em grande medida isso foi
feito, o que deu ao homem a sensação de ser superior ao mundo e às outras
espécies. Mas ao contrário de toda nossa pretensão, nunca conseguimos
dominar nossa natureza por completo[6].
Julgo
que quando falamos em Sistema, na verdade estamos falando dos mais
variados tipos de mecanismos que inventamos para tentar esterilizar nossa
natureza. Claro, sempre fracassamos.
Economia,
arte, religião, ciência, política ética, filosofia, etc. tudo isso é
frustração. É fruto daquele desejo primitivo de “fazer se cumprir a primeira
profecia”.
Falamos
tanto em igualdade, mas por que queremos tanto essa tal igualdade? Será que é
por justiça, caridade amor ou compaixão? Definitivamente não. O fato é que
somos naturalmente diferentes. A busca por igualdade também vem do desejo
primitivo de domesticar a natureza. Queremos a igualdade pelo mais vaidoso
fetiche. O fetiche de fazer com que, de uma vez por todas, nossa razão impere
sobre nossa animalidade. O problema disso, por mais chocante que possa ser, é
que a tentativa de fugirmos de nossa natureza através da razão nos levou a um
estado de submissão e barbárie que nenhum outro animal pode chegar. Todo crime,
todo horror, toda guerra, toda miséria, etc. sempre foram frutos de nossa
razão, não de nossa natureza.
O que
estou querendo dizer, por mais difícil que seja fazer isso racionalmente, é que
durante todo esse tempo o real inimigo de nosso real esclarecimento[7]
sempre foi a própria razão humana.
Razão essa que acabou por falsificar o mundo criando uma gigantesca
máquina que se replica sob as margens do progresso. Alienando, iludindo,
esvaziando o sentido e o significado de tudo, etc.
Não
falo da razão instrumental, falo da razão pura. Ela que em nome do
esclarecimento nos fez fugirmos desesperadamente de todos nossos medos e no
meio de sua mimeses nos afundou no mais desolador de todos os medos, o
medo da própria natureza. Esse medo é o combustível de todos nossos problemas
no mundo. Devido a ele todas nossas revoluções não passam de movimentos reacionários
e nosso conhecimento não é mais que tautologia.
A
razão trabalha tão bem que conseguiu falsificar dentro do Sistema a falsa
impressão do deslumbre de estarmos apontando para um fora do Sistema a partir
de nossas críticas ao Sistema. Infelizmente este “fora do Sistema” não existe,
é apenas uma ilusão criada para nos mantermos esperançosos. Tudo não passa de
apenas mais um de seus artifícios de dominação. A cada um passo que acreditamos
estar dando rumo a nossa emancipação, na verdade estamos dando dois passos em
direção a velha tutela. Caminhamos com os pés de Curupira[8].
Immanuel
Kant certa vez profetizou que existiam limites para o exercício da razão e
argumentou muito bem nessa direção[9].
Claro que a razão com toda sua pretensão não poderia deixar passar impune
tamanha insolência! Fez com que o próprio profeta[10]
e os demais homens entendessem daí não que a razão em sua gana não pode tudo,
mas sim que as coisas das quais não é possível exercermos racionalmente o
domínio não podemos e não devemos falar. A razão pura acusou a natureza de
metafísica e a punição por tal crime não poderia ser outra senão a sua total
exclusão de todo conhecimento que se julgue sério, coerente e justificável.
Mas
mesmo enganado o profeta Kant permaneceu certo: não podemos contar com a natureza
para lutarmos contra a razão. Tal grandiosa luta, que é a luta que de uma vez
por todas poderá nos libertar da real tutela opressora da qual voluntariamente
nos submetemos, deve ser uma luta totalmente racional. Uma guerra doméstica.
Fato esse que tornará nossa missão assombrosamente difícil, mas é justamente
deste assombro, que é exatamente o assombro que nossos ancestrais tiveram ao
contemplar a magnitude da natureza por uma primeira vez, é que emana a forca
que nos levará à vitória. Dado o fracasso de movimentos teóricos anteriores
nesse empreendimento, é chegada a hora de nos fazermos livres. É chegada a hora
de criticarmos a razão humana!
1. A INTENÇÃO DO ESCLARECIMENTO
Poucos
são os textos que com tão poucas palavras conseguem servir de base para
estruturação do pensamento de toda uma época. O opúsculo de Immanuel Kant “Resposta
a pergunta: que é iluminismo?” de 1784 certamente faz parte deste seleto
grupo de escritos.
Devido
sua simplicidade e clareza tal texto se tornou um símbolo de sua época. Se
tornou uma referência sempre viva durante toda construção do pensamento
moderno. Foi um verdadeiro subsidio intelectual para as mais diversas mudanças
que ocorreram após sua publicação. Por isso mesmo julgo que filosoficamente
este foi o texto mais interessante e um dos mais importantes durante o
iluminismo europeu.
Chegamos
ao século XXI e muita coisa mudou. Cortamos a cabeça dos monarcas e a
democracia imperou como o “sistema político vencedor”; a burguesia conseguiu o
poder que tanto sonhava, porém nunca aprendeu a lidar com sua crises sem
recorrer ao Estado; o comunismo foi inventado na teoria, ascendeu na prática e
ruiu pelas mãos daqueles mesmos que um dia o ergueram; a ciência levou o homem
à Lua e nos curou de doenças que eram verdadeiras maldições divinas; a mídia
assumiu a posição da igreja na alienação das massas; temos hoje indícios de um
mundo cada vez mais conectado; e jamais podemos esquecer as barbáries
totalitaristas, as guerras mundiais, as bombas atômicas, etc. Passado mais de
duzentos anos a humanidade de fato apresentou um progresso técnico
esplendoroso, porém justamente na direção contrária deste avanço, parece
evidente para os filósofos pós-modernos que a humanidade jamais atingiu o nível
de esclarecimento de que Kant um dia prometeu.
Por
mais que sua filosofia tenha ganhado ares proféticos com o passar dos anos,
Kant não tinha como prever o futuro, por isso não vejo sentido em usar de minha
análise para atacar seu texto o acusando de ignorar os mais variados vínculos
entre o uso da razão e o exercício da autoridade ou de ter subjugado todo
esforço esclarecedor da humanidade anterior ao iluminismo sob a acusação de
fazerem parte de uma “menoridade culpada”.
O
texto kantiano me parece cheio de boas intenções e é justamente na busca
do entendimento destas intenções é que me darei o trabalho.
Se
ainda acredito no esclarecimento, se ainda acredito na evolução da
racionalidade humana: devo dedicar meus esforços na busca pela revelação de
nossos erros que nos levaram ao fracasso do projeto da modernidade[11],
para que com isso não voltemos a cometer tais erros ou simplesmente darmos
sequencia basbaqueados a todo horror que fazemos em nome do progresso.
1.1 O QUE É ESCLARECIMENTO
A
Europa na segunda metade do século XVIII fervilhava em ideias e ideais. O
sistema monárquico nem de longe agradava seus conterrâneos. Em ascensão a
burguesia pedia por liberdade e direitos. Esclarecimento era uma palavra
cotidiana nas conversas intelectuais e também dos mais diversos setores da
sociedade. O curioso é que não havia um consenso sobre o que era este tal
esclarecimento tão buscado pelos homens. Certa vez interrogado Immanuel Kant se
deu ao trabalho de dissertar sobre tal conceito e logo no primeiro parágrafo de
sua resposta, disparou:
Iluminismo é a saída do homem de sua menoridade
de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de servir do
entendimento sem a orientação de outrem. Tal menor idade é por culpa própria,
se a sua causa não residir na carência de entendimento, mas na falta de decisão
e de coragem em se servir de si mesmo, sem a guia de outrem. Separe aude! Tem
a coragem de te servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do
iluminismo. (KANT, p.1)
Logo
neste parágrafo se revelam os três pontos centrais que pretendo abordar neste
trabalho:
1º
A intenção do esclarecimento tem a ver com liberdade e não com seu contrário;
2º
O esclarecimento é um projeto que vai
muito além do período do iluminismo europeu;
3º
O esclarecimento pretensiosamente subjuga todos projetos anteriores da razão
se pretendendo
como “o projeto definitivo da razão humana”. Por isso acabou abrindo a possibilidade
ser falsificado, gerando assim justamente seu oposto aos homens.
Quanto
ao terceiro ponto deixá-lo-ei de lado agora, pois será dissertado no próximo
capítulo deste trabalho com a ajuda do texto “Dialética do Esclarecimento”
de Adorno e Horkheimer. Dedicar-me-ei agora a uma rápida explanação sobre os
dois primeiros pontos.
1.2 LIBERDADE E ESCLARECIMENTO
Como
já descrito na introdução deste trabalho, já faz muito tempo que os homens
perceberam serem dotados de razão e que isso poderia lhes fazer libertos de sua
natureza. Mesmo assim nunca fomos de fato livres, por preguiça e covardia e
outras causas menores os homens sempre se fizeram submissos à outras tutelas,
disse Kant. (KANT, p.1) Para ele é muito mais cômodo mantermo-nos na menor
idade por toda vida. É bem mais fácil apontarmos um livro de capa preta como
guia moral do que nos incumbirmos do pesado trabalho de estudar e ouvir muito
para obter um satisfatório nível de esclarecimento para que possamos ter uma
consciência moral autônoma frente a nossos atos.
A
vida em sociedade nos trouxe muito conforto, tanto conforto que não precisamos
mais cuidar de quase nada em nossas vidas. Não sei dizer como era no século
XVIII, mas atualmente nem temos mais tempo para isso. Um juiz faz valer a lei,
a polícia nos dá segurança, o médico cuida de nossa saúde, o professor ensina
nossos filhos, tudo que preciso já está produzido, etc. A vida em sociedade nos
coloca numa posição tão estática que tudo que precisamos para “viver bem” não
necessita de crítica ou emancipação, basta bater o cartão e cumprir a função.
Para que sair da menoridade se tudo que precisamos é chegar vivo ao fim do dia
um dia após o outro durante todos os dias de nossa vida?
Aos
mais jovens e eufóricos com a possibilidade de se fazerem livres a razão sempre
arranja seus jeitos de intimidá-los: mostrando os vícios dos revolucionários, a
loucura dos filósofos e a morte prematura dos poetas como a sempre viva
tragédia anunciada par quem se aventurar pelo caminho do esclarecimento.
Agora, porém, de todos os lados ouço gritar: não
raciocines! Diz o oficial: não raciocines, mas faz exercícios! Diz o
funcionário de finanças: não raciocines, paga! E o clérigo: não raciocines,
acredita! (…) Por toda a parte se depara com a restrição da liberdade.” (KANT,
p.2-3)
Os
homens se acostumam com sua situação de
menoridade, existe até uma relação de amor com ela. Sob tutelas exteriores o
homem se amarra a tal network de conceitos e crenças que faz com que
qualquer tentativa de desamarração pareça desnecessária, impossível e ridícula.
Kant alerta:
Preceitos e fórmulas, instrumentos mecânicos do
uso racional, ou antes, do mau uso dos seus dons naturais são os grilhões de
uma menoridade perpétua. Mesmo quem deles se soltasse só daria um salto
inseguro sobre o mais pequeno fosso, porque não está habituado ao movimento
livre. (KANT, p.2)
Hoje
isso equivale a dizer que a razão humana através das mais variadas ferramentas
do Sistema nos adestra de tal forma que faz com que mesmo após termos
deslumbrado nosso esclarecimento jamais possamos efetivá-los na prática.
Mantendo assim toda espécie sob a sua tutela, pois nos convence, ainda que por
formas underground, de que a ignorância é uma benção.
Todo ser humano em perfeita saúde
tem a vocação para pensar por si próprio. , por isso na ideia kantiana é
perfeitamente possível que qualquer um se esclareça.(KANT, p.2) O
esclarecimento pode ocorrer independente da idade, formação, função social,
renda per capta, etc. Isso significa dizer que pode ser que tenhamos um alto
executivo de uma empresa que viva completamente na menoridade e tenhamos alguns
de seus mais reles subalternos muito bem esclarecidos. Me atrevo a dizer que
isso é muito comum nos dias de hoje, afinal geralmente as pessoas mais bem
sucedidas são justamente aquelas que melhor se submetem e se adaptam as forcas
manipuladoras de sua sociedade, são justamente os melhores jogadores do
sistema. Por isso mesmo não têm e nem querem ter para si o esclarecimento,
estão tão amarradas em sua função social que se tornam inimigas públicas da
emancipação intelectual.
O filósofo escreve com todas as letras: “Raciocinai
tanto quanto quiserdes e sobre o que quiserdes; mas obedecei!”(KANT, p.7) A
intenção de Kant ao escrever isso era alertar o mundo de que entre todas as
regras que o indivíduo de uma sociedade deve se submeter, nenhuma lei pode
impedi-lo de raciocinar e tornar pública sua opinião, seja ela sobre quem quer
que seja. (KANT, p.3) Qualquer contrato que um indivíduo ou um povo possa fazer
impedindo alguém de se emancipar racionalmente é completamente nulo. Ninguém,
nenhum governo, nenhuma religião, nenhum plebiscito, nada nem ninguém tem
tamanha autoridade para impor este absurdo contra si mesmo ou para
doutrem.(KANT, p.4) Infelizmente muitos pretensiosos homens falsificaram o
pronunciado kantiano e dele entenderam a seu bel-prazer que as pessoas podem
raciocinar o quanto quiser, desde que permaneçam caladas. Por isso muitas
ideias iluministas puderam ser usadas para fundamentação de governos
totalitários. Claro que isso vai completamente contra as intenções de Kant que
escreveu:
O uso público da própria razão deve sempre ser livre
e só ele pode entre os homens, levar a cabo a ilustração.(...) Por uso público
da própria razão entendo aquele que qualquer um, enquanto erudito, dela faz
perante o grande público do mundo letrado. Chamo de uso privado àquele que
alguém pode fazer de sua razão num certo cargo público ou função a ele
confinado.(KANT, p.3)
Vamos imaginar o caso onde
eu enquanto professor de filosofia sou contratado para lecionar numa escola. Embora eu seja uma pessoa
esclarecida[12], vou estar sendo contratado
para fazer somente o uso privado de minha razão, terei que respeitar os
estatutos da escola e vou ter que ensinar aquilo que me for solicitado. Poderei
e deverei ensinar de maneira que meus alunos possam ser críticos e também
possam buscar seu esclarecimento. O que nunca deverei fazer fazer é
simplesmente ensinar o que eu quero, porque eu quero e do jeito que eu quero,
apresentando minha opinião como a “opinião verdadeira” para meus alunos.
Poderei fazer o uso público de minha razão enquanto professor se e somente se verificar
no corpo de discentes que os eles podem acompanhar meu raciocínio e que o mesmo
será interessante para o desenvolvimento da investigação em sala de aula. Em
contra partida: enquanto pesquisador em filosofia, eu sendo erudito e me
dirigindo a um público genuíno[13],
deverei gozar de minha liberdade fazendo valer o uso público de minha
razão.(KANT, p.4) Uma vez elaborado meus argumentos devo proclama-los ao mundo
estando ciente de suas consequência e aberto à críticas, para só assim poder
ser de fato livre. Ou seja, dentro da ideia kantiana, para se considerar
esclarecido um indivíduo deve, entre outras coisas, saber fazer muito bem o uso
da razão pública e privada de acordo com a situação.
Num
exemplo mais abrangente Kant diz que:
O cidadão não pode recusar-se a pagar os
impostos que lhe são exigidos.(...) Mas, apesar disso, não age contra o dever
de um cidadão se, como erudito, ele expulsar as suas ideias contra a
inconveniência ou também a injustiça de tais prescrições.(KANT, p.3)
Se
fosse vivo hoje, julgo que Kant certamente iria gostar muito dos recursos que a
internet por meio da Web 2.0 nos proporciona. A possibilidade de estarmos
conectados a bilhões de pessoas e podermos expressar livremente nossa opinião
de qualquer lugar a qualquer momento através de um dispositivo móvel pode ser
uma ferramenta fantástica para o esclarecimento humano. Evidente que isso era
completamente impensável no século XVIII, nem mesmo o mais criativo filósofo da
época pensaria em tamanha utopia.
1.3 UM LONGO E BEM PLANEJADO EMPREENDIMENTO
A
leitura da reposta kantiana sobre o que é o esclarecimento deixa claro que para
o filósofo que o esclarecimento se trata de longo e bem planejado
empreendimento, porém seu tempo clamava por mudanças rápidas e os prazos
filosóficos, como sempre, eram demasiadamente longos se comparados com os
prazos políticos. Não se passaram muitos anos para o mundo se envolver em uma
série de revoluções violentíssimas como foi a francesa. A intenção da liberdade
através do esclarecimento foi falsificada pela pretensão de se atingir
rapidamente a liberdade através da violência e da política. Mas Kant com sua
filosofia quase profética já imaginava qual seria o resultado disso tudo:
Por meio de uma revolução talvez se possa levar
a cabo a queda do despotismo pessoal e da opressão gananciosa ou dominadora,
mas nunca uma verdadeira do modo de pensar. Novos preconceitos, justamente como
os antigos, servirão de rédias à grande massa destituída de pensamento.(KANT,
p.2)
Terminadas
as revoluções tivemos sim muito progresso, mas não nos esclarecemos. Tal como
era a pretensão se derrubou a monarquia e isso foi muito bom, mas com o passar
dos anos a burguesia democrática foi capaz de horrores impensáveis para os
reis, podemos dizer o mesmo quanto ao comunismo russo. Não fizemos nada além de
substituir uma forma de dominação por outra.[14]
Não houve reforma em nosso modo de pensar. Nosso esforço foi reacionário.
Essa mesma história ainda se replica até hoje.
Deveríamos fazer uso pleno de nossa liberdade examinando muito bem nossas
ideias antes de torná-las públicas. Mas isso quase nunca acontece. Vou
exemplificar com algo bem atual que vem acontecendo: O Brasil será a cede dos
dois próximos maiores eventos esportivos do mundo[15].
Dada a incompetência do poder público em preparar as cidades para tais
acontecimentos os grandes investidores, brasileiros ou não, tem tomado as
rédias da situação e entroca das obras que realizam tem garantido para seu
capital reconhecimento, influência, lucro e muito marketing gratuito.
Indignados com a situação muitas pessoas tem se organizado e se iniciou
recentemente uma série de ataques aos mascotes que a Coca-Cola ergueu em
todas cidades-sedes da Copa do Mundo FIFA de Futebol 2014. Houve
violência e repressão policial e se iniciou uma discussão pública para saber se
aquilo era vandalismo ou protesto. Tal debate não tem nenhuma relevância
filosófica neste momento para meu trabalho, quero citar que após o primeiro
ocorrido os manifestantes e seus simpatizantes começaram a espalhar pela
internet mensagens do tipo “O povo está acordando!” ou “Vamos
derrubar o capitalismo!” vinculadas à imagens de dos mascotes caídos e de
pessoas feridas durante as manifestações[16].
Pois bem: isso só serve pra provar justamente o contrário. O povo não está acordando!
O mascote é só um símbolo e o Sistema necessita ter símbolos; ele estava lá
justamente para ser admirado, protegido e atacado. Ele estava lá justamente
para substituir e alienar; Diríamos que cumpriu muito bem seu papel, afinal:
por algum estranho motivo aqueles que se manifestam resolveram atacar o monstro
gigante de borracha, deixando de lado os problemas reais dos quais estavam
dispostos a lutar. Entre presos e feridos: o capitalismo[17]
permaneceu intacto.
Tivemos
algo muito mais próximo despertar político do povo brasileiro no recente Junho de 2013 onde milhões saíram às
ruas em dias e cidades diferentes para protestar. Esta foi uma revolução do
indivíduo. Talvez em quinhentos anos de nossa história com país, está foi a
primeira vez que nos sentimos indivíduos. Ainda é muito cedo pra afirmar, mas
parece que desta vez o povo brasileiro deu sinais que de seu despertar político.
Claro que houve muita ingenuidade nos protestos e em suas interpretações, mas
no geral as pessoas perceberam que não se tratava de R$0,20 a mais no preço da
passagem do transporte público, nem do futebol, nem dos políticos, etc... Tratava-se
da dor e da humilhação que sofremos todos os dias em troca de algumas
migalhas... O despertar do povo brasileiro não se dá somente pelo fato de irmos
às ruas para protestar, mas de percebermos que as instituições que nos tutelam
já não representam nossos interesses e que nós somos parte disso tudo, e não
qualquer parte: somos a parte que pode fazer a diferença. Um povo prova que está disposto a mudar sua
realidade quando profana aquilo que normalmente consideraria sagrado. Tem algo
mais sagrado do que o futebol no Brasil? Nem a novela das nove horas é tão
sagrada. Aliais: a novela também foi profanada com as sucessivas interrupções
para o televisionamento dos protestos. Não foi por acaso que o tudo começou
justamente durante a disputa da Copa das Confederações FIFA 2013... Acordamos!
Não iremos descansar tão cedo.
Um outro ponto relevante para falamos que o Junho de
2013 demonstra um maior esclarecimento do povo brasileiro se dá pelos gritos de
“sem partido” que ecoaram nas diversas
manifestações que ocorreram. No
geral as pessoas não entendem e houve muito equivoco frente ao significado do grito
“sem partido”. Houve até manifestantes que em atitudes deploráveis e sem nexo com os
objetivos buscados nos protestos:
repreenderam de maneira violenta aqueles que trouxeram bandeiras de
sindicatos e partidos políticos. O real significado do grito “sem partido”
não está no pedido do
fim imediato dos partidos políticos. Quem gritou pensando isso: gritou errado.
O Grito de “sem
partido” significa que: estamos ali não em nome ideologias ou de bandeiras, estamos ali “sem partido”.
O povo brasileiro foi
às ruas em nome de nossos sofrimentos e dores reais e individuais. Fomos porque
queremos fazer do Brasil um país melhor e para isso não queremos dar o poder
para um outro partido, acordamos e queremos ética e moral na política. Essa é
uma luta nossa, e de todos, não pode ser da bandeira x ou y. Todos são bem
vindos, mas deixe a bandeira partidária guardada para outro momento. Isto tudo
foi um começo, ainda estamos longe de um real esclarecimento, mas o Junho de
2013 será lembrado merecidamente como o despertar do indivíduo brasileiro.
Kant
deixa claro que seu tempo nem de longe era uma época esclarecida. Dada a
abertura política que era estava ocorrendo, para o filósofo seu tempo era
apenas uma época de iluminismo:
Temos apenas claros indícios de que lhes abre
agora o campo em que podem actuar livremente, e diminuem pouco a pouco os
obstáculos à ilustração geral ou à saída dos homens da menoridade de que são
culpados. Assim considerada, esta época é a época do iluminismo, ou o século de
Frederico.(KANT, p.6)
É
incrível como não consigo deixar de ver as semelhanças da época narrada por
Kant em relação ao que vivemos agora. A inclusão digital e a democratização
online do conhecimento proporcionam a
quebra de barreiras históricas para nosso esclarecimento. Não posso deixar de
bradar que este também é um tempo de iluminismo, vivemos o século da
internet!
Definitivamente
Kant não tinha o poder de ver futuro, ele realmente acreditava que a abertura
politica de sua época levaria o ser humano a lentamente abandonar todo tipo de
brutalidade, afinal perceberíamos que não existe propósito algum em conservar
tais formas de horror. Também acreditava que a pior tutela era a tutela
religiosa e que os governos não tinham o menor interesse de exercer tutela
sobre as artes.(KANT, p.6-7) O século XX venho pra contradizer tudo isso, além
das guerras mundiais e de todos outros horrores, a Indústria Cultural se
tornou a maior das tutelas as quais os indivíduos mais se submetem. Também
acreditava que aos poucos os governos perceberiam que não há riscos em
permitirem seus governados façam o uso público da razão para expor publicamente
suas ideias ao mundo. (KANT, p.7) Ainda hoje vemos muitos governos agindo
contra a liberdade de expressão e buscando formas de censurar a internet e seu
conteúdo. Por fim, temendo que cada vez mais o progresso anunciado levasse o
homem a um estado de coisificação de sua própria espécie como de fato venho a
ocorrer, Kant deixa claro que mais do que nunca cada homem deve ser respeitado
segundo sua própria dignidade. (KANT, p.7)
Após
a leitura deste texto de mais de duzentos anos me fica evidente que o
esclarecimento é um projeto válido e cheio de boas intenções, mas que fracassou
devido a pretensão de alguns homens em transformá-lo em uma máquina de
dominação e poder. Me dedico agora a uma breve análise de tal pretensão.
2. A PRETENSÃO DO ESCLARECIMENTO
Chegamos ao século XXI e os homens nunca foram tão escravos de seus
mitos quanto hoje são. Isso porque concederam o status de natural às suas
próprias invenções.
Fruto
do temperamento intelectual dos filósofos Theodor W. Adorno e Max Horkheimer o
livro Dialética do Esclarecimento: Fragmentos Filosóficos de 1944 é um
dos livros chaves para que possamos entender a corrente filosófica chamada de Teoria
Crítica, bem como para entendermos melhor o diagnóstico doentio de nosso
tempo. A proposta do livro é descobrir o por quê a humanidade em vez de entrar
num estado verdadeiramente humano, se afunda sempre em uma nova espécie de
barbárie.(ADORNO e HORKHEIMER, p.11)
Escrito
originalmente durante os horrores da segunda guerra mundial Adorno percebida a
insensibilidade se espalhando pelo mudo de sua época, ele percebia o fracasso
do projeto de esclarecimento iluminista, pois sentia na pele toda barbárie que
poderia ser gerada da pretensão de se ter o controle absoluto sobre a natureza.
Diferentemente
de Kant que apontava para todo conhecimento humano anterior ao iluminismos como
pertencente de uma menor idade culpada, Adorno e Horkheimer viam a busca pelo esclarecimento como uma constante na
história da razão humana. Devido a isso tal livro nos coloca justamente no
terceiro ponto deste trabalho: O esclarecimento pretensiosamente sub-julga
todos projetos anteriores da razão, se pretendendo como “o projeto definitivo
da razão humana”. Devido a isso acabou abrindo a possibilidade ser falsificado
pela pretensão dominadora, gerando assim justamente seu oposto aos homens.
A
pretensão do esclarecimento pode ser
entendida como apropriação das ideias
iluministas feita pela razão humana para tentar cumprir a primeira profecia. O
impulso originário de pode ser entendido como a tentativa de termos controle
racional sobre toda natureza. E o resultado buscado seria o conforto da
previsibilidade.
Adorno
e Horkheimer perceberam que o mito já contém esclarecimento e o esclarecimento
acaba por se reverter em mitologia. Por isso o esclarecimento seria um processo
muito mais antigo que o iluminismo europeu e sempre fracassaria, pois cada nova
filosofia esclarecedora já possui em si todos elementos para ser destruída por
uma outra nova filosofia. O esclarecimento ao esclarecer corroí as bases do
esclarecimento. O esclarecimento é auto-corrosivo.
Os
ideais iluministas e as revoluções que deles resultaram mostraram o poder do
conhecimento frente ao poder sobre os homens. Não demorou muito para que se inferisse
a relação próxima entre conhecimento e poder. O que levou o esclarecimento a
comportar-se com as coisas tal como o ditador se comporta com seu povo.
Passamos a tentar entender a natureza das coisas somente a partir da medida em
que podemos manipulá-las a nosso favor.
Para
termos este controle erra necessário banir do processo racional todo o temor e
o espanto que nosso contato com a natureza das coisas nos proporciona. A Crítica
da Razão Pura se encarregou disso, traçando o circulo donde o pensamento
racional poderia se desenvolver livre de tamanha interferência.(ADORNO e
HORKHEIMER, p.38) A partir deste livro de Kant se profetizou que não há nenhum
ser no mundo que a razão não possa penetrar, mas o que pode ser penetrado
através da segurança ciência não é o ser em si[18].
Para ser mais “esclarecido” e conseguir mais controle sobre a natureza o
indivíduo vai sempre buscando uma natureza cada vez mais externa, se afastando
cada vez do objeto analisado e também de si mesmo. “A Submissão de tudo aquilo que
é natural ao sujeito autocrático culmina exatamente no domínio de uma natureza
e uma objetividade cegas.”(ADORNO e HORKHEIMER, p.16)
Neste
processo replicatório oriundo de tamanha pretensão sujeito e objeto tornam-se
nulos, carentes de sentido e significado. Esvaziados ambos ficam com apenas uma
propriedade, a propriedade de serem mero substrato para posse, dominação e
controle. “Na redução do pensamento à uma aparelhagem matemática está implícita
a ratificação do mundo como sua própria medida”(ADORNO e HORKHEIMER, p.38) O
dito “triunfo da racionalidade objetiva” é na verdade a redução de todo ente ao
formalismo lógico, pois subordina a razão ao imediatamente dado, lhe subordina
à ditadura dos fatos, banaliza por completo o pensamento crítico e a imaginação
humana. Desta forma a pretensão do esclarecimento revela sua meta oculta que
vai exatamente na direção contrária da intenção do mesmo.
Para
Adorno e Horkheimer conhecimento não se trata de simplesmente compreender o
dado enquanto tal, ou seja, saber dos dados e dos fatos apenas em suas relações
espácio-temporais. Julgo que as pessoas se agarram a este tipo de conhecer pois
traz segurança, a segurança da repetição enciclopédica. Conhecimento é
justamente o contrário disto, conhecer é pensar os dados e os fatos como sendo
apenas a superfície. É preciso afundar-se, necessitamos ir muito além do
conceito. A coisa não se realiza no imediatamente dado, mas sim no
desdobramento de seu sentido social e histórico. Conhecimento não consiste no
mero perceber, classificar e calcular, mas reside precisamente na negação
determinante de cada dado imediato. Ao invés disso o formalismo matemático
mantém o pensamento firmemente preso ao meramente imediato. O factual tem
sempre a última palavra, conhecer se restringe a narrar, repetir e replicar os
fatos. Todo pensamento válido se transforma em tautologia, pois isso é
segurança, o mergulho seria um afundar-se numa natureza perigosa.(ADORNO e
HORKHEIMER, p.39)
Os homens sempre tiveram de escolher entre
submeter-se à natureza ou submeter a natureza ao seu eu. Com a difusão da
economia, o horizonte sombrio do mito é aclarado pelo sol da razão calculadora,
sob cujos raios gelados amadurece a sementeira da nova barbárie. Forçado pela
dominação, o trabalho humano tendeu sempre a se afastar do mito, voltando a
cair sob o seu influxo, levado pela mesma dominação. (ADORNO e HORKHEIMER,
p.43)
Saio
a caminhado quando de repente no meio de meu caminho há uma pedra. Existe uma
pedra no meu caminho. Mesmo se eu dominasse toda ciência sobre as pedras e
soubesse conceituar todas características daquilo diante de mim, mesmo assim
seria incapaz de compreender a magnitude do que ali me aguardava. Aquela pedra
tem mais história que toda história da humanidade. Por todo este tempo ela já ocupou
muitos espaços e caminhos. Foi detentora de infinitos significados. Teve de
deixou de ter infinitas utilidades, mas agora simplesmente está diante de mim. Neste momento percebo que não é a
pedra que está em meu caminho, sou eu que estou no caminho dela. Esquivo-me
rapidamente!
CONCLUSÃO
Em
suma: a pretensão do esclarecimento abdicou à realização do esclarecimento,
como bônus deste feito falsificou nosso jeito de ver o mundo, nos
inserindo num circulo auto-corrosivo onde nossa emancipação intelectual se
torna um sonho demasiadamente cansativo e distante. A culpa por não termos
saído ainda da menoridade da qual nós mesmos somos culpados é que em momento
algum enxergamos a verdadeira luz da razão autônoma e da natureza. O que vimos
nada mais foi que um reles brilho ofuscado pela turvolência pretensiosa da qual
nós homens sempre estivemos mergulhados. Assim escrevemos nossa história sobre
o sangue dos diferentes e sob a ameaça de heróis assassinos. Nosso progresso se
faz encima de dor e sofrimento real, mas na realidade pouco ou quase nada fomos
capazes de fazer para evitar mais dor e sofrimento. De fato: a pretensão do
esclarecimento tem nos sido muito mais venenosa, alucinante e cancerígena do
que qualquer romântico pode um dia poetizar (ADORNO e HORKHEIMER, p.52)
Para
mim, bem como para Adorno, o esclarecimento só se reencontrará com sua intenção
quando renunciar ao último acordo com os inimigos do pensamento crítico e tiver
a ousadia de superar o falso absoluto que é o princípio da dominação cega e
naturalizada que vivemos hoje. O espírito de tal teoria grandiosa será capaz de
inverter a direção do progresso impiedoso, será capaz de nos colocar
novamente no lado certo da razão crítica, terá a capacidade de desofuscar as
sociedades e nos apresentará a real luz prometida nas profecias kantianas.
Tal
teoria certamente é de difícil assimilação, por isso mesmo ainda não foi criada
e quando um dia for: será renegada. Afinal, nos acostumamos a viver num mundo
de conhecimentos e juízos tautológicos. O progresso cego se ergue falicamente e
encanta os olhos turvos das massas com o vigor de sua força . Ele faz questão
de bajular aqueles que suas almas gentilmente lhes cedem. Nos apresenta tal
conforto que faz da ignorância a única real virtude nos dias de hoje. Vivemos o
tempo onde erroneamente os homens acreditam que podem imperar na prática sobre
a natureza, onde cultivamos o conhecimento que é poder, mas que nada conhece.
Onde o esclarecimento falsificou-se na total mistificação das massas.(ADORNO e
HORKHEIMER, p.52)
REFERÊNCIAS
ADORNO,
Theodor W. Dialética do esclarecimento :
fragmentos filosóficos. Rio de
Janeiro : Zahar, 2006. 223 p.
KANT,
Immanuel. Resposta à pergunta: “Que é o
Iluminismo?”. Königsberg Dez., 1783. 8.p Disponível em http://www.lusosofia.net/textos/kant_o_iluminismo_1784.pdf Acessado em 31 de Outubro
de 2012.
[1] Mestrando
em Filosofia na área de Ética e Filosofia Política pela Facultad de
Humanidades y Ciencias de la Educacion da UDELAR Uruguay & pelo PPGFil da PUCRS sob a
orientação de Dr.Agemir Bavaresco; com bolsa “sandwich” da Capes; Bacharel e
Licenciado em Filosofia pela PUCRS.
fabiogt@zipmail.com.br - http://www.filosofiahoje.com/
[2] Esta
data não é exata.
[3] Entre
outras muitas coisas.
[4] Muito
mais em sua pretensão, mas nada mais em sua intenção.
[5] Julgo
que a linguagem surgiu depois como um um mecanismo necessário para o
desenvolvimento da razão e seu domínio.
[6] Com
base em meus conhecimentos: essa tarefa me parece impossível.
[7] Prefiro
usar o termo “esclarecimento” justamente para diferenciar o período histórico
do Iluminismo europeu em relação ao processo de emancipação intelectual que a
humanidade sempre procura. Também porque em português o termo Iluminismo pode
nos remeter a ideia de “iluminação divina” o que não condiz com o pensamento
que pretendo apresentar. Desta maneira uso o termo “esclarecimento” que já
havia sido adotado por Guido Antonio de Almeida para a palavra alemã aufklarüng.
[8] Figura
da mitologia brasileira que tem os pés apontados pra o lado inverso.
[9] Em
seu livro denominado: Crítica da Razão Pura
[10] Kant,
neste caso.
[11] Fracassou
no sentido de que não foi totalmente completo e abriu brechas para barbáreis terríveis.
[12] Esclarecido
no sentido de buscar sempre, ainda que não obtenha êxito em todos os casos, me
submeter somente à minha razão.
[13]
Por exemplo: uma comunidade filosófica.
[14]
Se pode argumentar que a forma atual de dominação é menos nociva que a antiga,
mas julgo que não podemos pagar esse tipo de preço por nosso progresso.
[16] Para
citar alguns exemplos de páginas: https://www.facebook.com/diadobasta , https://www.facebook.com/redeesgotodetelevisao e https://www.facebook.com/queroofimdacorrupcao .
[17] Que
era o inimigo a ser vencido.
[18] Este foi banido para o abito
da metafísica.
terça-feira, 29 de janeiro de 2013
segunda-feira, 28 de janeiro de 2013
domingo, 27 de janeiro de 2013
#ForçaSantaMaria Foi a maior tragédias de nossas vidas...
Morri em Santa Maria hoje. Quem não morreu? Morri na Rua dos Andradas, 1925. Numa ladeira encrespada de fumaça.
... A fumaça nunca foi tão negra no Rio Grande do Sul. Nunca uma nuvem... foi tão nefasta.
Nem as tempestades mais mórbidas e elétricas desejam sua companhia. Seguirá sozinha, avulsa, página arrancada de um mapa.
A fumaça corrompeu o céu para sempre. O azul é cinza, anoitecemos em 27 de janeiro de 2013.
As chamas se acalmaram às 5h30, mas a morte nunca mais será controlada.
Morri porque tenho uma filha adolescente que demora a voltar para casa.
Morri porque já entrei em uma boate pensando como sairia dali em caso de incêndio.
Morri porque prefiro ficar perto do palco para ouvir melhor a banda.
Morri porque já confundi a porta de banheiro com a de emergência.
Morri porque jamais o fogo pede desculpas quando passa.
Morri porque já fui de algum jeito todos que morreram.
Morri sufocado de excesso de morte; como acordar de novo?
O prédio não aterrissou da manhã, como um avião desgovernado na pista.
A saída era uma só e o medo vinha de todos os lados.
Os adolescentes não vão acordar na hora do almoço. Não vão se lembrar de nada. Ou entender como se distanciaram de repente do futuro.
Mais de duzentos e cinquenta jovens sem o último beijo da mãe, do pai, dos irmãos.
Os telefones ainda tocam no peito das vítimas estendidas no Ginásio Municipal.
As famílias ainda procuram suas crianças. As crianças universitárias estão eternamente no silencioso.
Ninguém tem coragem de atender e avisar o que aconteceu.
As palavras perderam o sentido.
-Texto de Fabrício Carpinejar disponível em http://carpinejar.blogspot.com.br/2013/01/a-maior-tragedia-de-nossas-vidas.html
sábado, 26 de janeiro de 2013
Heraclito e a Filosofia do Tudo Passa
*ASSISTA*REFLITA*COMPARTILHE*
"Tu não podes tomar banho duas vezes no mesmo rio, pois aquelas águas já terão passado e também tu já não serás mais o mesmo." Assim dizia Heráclito de Éfeso um pré-socrático, ou seja, um dos primeiros filósofos da humanidade a mais de 2500 anos atrás.Fico admirado em perceber como ainda hoje estas palavras parecem deter o poder de fazer do mais sábio ao mais ignorante refletir sobre as coisas da vida. Foram palavras que sobreviveram à ascensão e queda de impérios na antiguidade, às trevas na idade média, às navegações da modernidade e às grandes guerras e descobertas contemporâneas.***ASSISTA ATÉ O FINAL E REFLITA***
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terça-feira, 22 de janeiro de 2013
A filosofia de Martin Heidegger
Se ainda não assistiu clique no link e assista agora http://www.youtube.com/watch?v=R9bf7TR82tA O novo vídeo do Vlog do Filosofia Hoje ! É justamente sobre a filosofia do filósofo Martin Heidegger. Vale muito a pena assistir :)
segunda-feira, 21 de janeiro de 2013
(OFF) FIFA 13 : Vingando o Futebol Brasileiro - GameIsta
Para muitos futebol é diversão, para outros é alienação. O desenvolvimento e a profissionalização do futebol brasileiro aliados a realização da Copa do Mundo em nossas terra formam uma oportunidade de ouro para realizarmos pesquisas sérias sobre este assunto que é uma paixão nacional. Enquanto isso...vou me divertindo jogando um futebolzinho no vídeo game, pra quem curte, fiz uma análise do FIFA 13. Pra quem não curte: Relaxa, amanhã tem mais filosofia ;)
Vídeo Análise , Review e Game play comentado futebolístico.
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